Fotos: Beto Albert (Diário)
Independentemente da religião, o Natal é reconhecido como um momento de reflexão e amor no mundo. A data, que é celebrada em 25 de dezembro, 6 e 7 de janeiro conforme a vertente cristã, faz referência ao nascimento de Jesus Cristo em Belém. Ao longo dos anos, a festividade tem ganhado outros elementos e significados que vão além das decorações, dos presentes e do tradicional Papai Noel. O Natal nos inspira a agir com mais criatividade, solidariedade e compaixão, seguindo os passos de Cristo. Na reportagem especial, veja como os ensinamentos de Natal mudaram as vidas de Naila, Marcelo, Michele, Leda Maria, Reinaldo e Emilene em Santa Maria.
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Naila
Em um apartamento localizado no Bairro Nossa Senhora de Lourdes, a pedagoga Naila Cohen Pomnitz, 39 anos, folheia um álbum com registros antigos de família. Para ela, as fotos mais importantes são as de Natal, por conta das tradições de família:
– A minha avó sempre montou árvore de Natal, e a minha família sempre comemorou a data. Eu nasci em 20 de novembro de 1985, e no meu primeiro Natal, com um pouco mais de um mês de vida, eles também montaram a árvore. A minha mãe ama fazer a decoração e sempre tenta resgatar esse espírito da infância, porque quando somos crianças, tudo é mágico. Então, ela sempre tenta trazer essa magia do Natal.
Na casa da pedagoga, além das tradicionais esferas coloridas, o pinheiro de Natal ganha peças personalizadas, como uma meia de lã com a letra ‘N’ e figuras com roupas natalinas. Para Naila, o Natal também é uma data de luto. Em 25 de dezembro de 1995, a pedagoga perdeu a irmã Maíra, na época com 9 anos, que lutava contra um câncer raro. No álbum de família, fotos das meninas em momentos de brincadeira e comemoração geram um misto de saudade e força para continuar.
– Nós sempre comemoramos juntos e trocamos presentes, porque era algo que ela (Maíra) gostava bastante. Naquele Natal, ela pediu para passar a data em casa e não no hospital. Ela passou a noite do dia 24 conosco e, na manhã do dia 25, após passar mal, foi levada para o hospital, onde faleceu no início da tarde. No ano seguinte, que completou um ano da morte dela, montamos a árvore. Nós acreditamos que a memória da Maíra se mantém nos nossos corações, mas ainda mais na celebração de uma data que ela julgava tão especial – afirma a pedagoga.
O desejo de Naila em continuar honrando a memória da irmã é que tornar os Natais ao lado dos pais, o autônomo Robson Pomnitz, 68 anos, e a dona de casa Eliana Cohen Pomnitz, 64, e do irmão, o autônomo Maurício Cohen Pomnitz, 36, ainda mais preciosos.
– Eu acredito que, apesar de tudo o que acontece na nossa vida, precisamos sempre acreditar que é possível seguir e viver com alegria. O Natal é um momento para celebrarmos a união, a família e os amigos – comenta ela, com um sorriso no rosto.

Reinaldo
Com a chegada do Natal, um filme passa pela cabeça do porteiro predial e acadêmico do 8º semestre de Jornalismo Reinaldo Luiz dos Santos, 55 anos. Nem sempre a data foi sinônimo de felicidade ou fartura. Alguns anos atrás, ele conheceu o projeto Natal Sem Fome, que proporcionou-lhe mais do que uma refeição.
– Em 2016, não sabia se chorava ou sorria durante um Natal Sem Fome da população de rua e dos recicladores. A ação foi realizada em parceria com a Comissão de Direitos Humanos da OAB/RS, debaixo do viaduto da Conceição, em Porto Alegre. Lembro da música clássica e de uma peça de teatro sobre o Natal, trazendo o Cristo Negro das Ruas e Maria e José como catadores. Mais de mil crianças da Vila dos Papeleiros foram acolhidas com bolo, doces, suco, chocolates e brinquedos. Na primeira vez que presenciei voluntários e voluntárias tentando esconder os olhos molhados, descobri o verdadeiro espírito natalino e a importância de fazer o bem – relata.
Lembrando sempre do menino de Belém que nasceu em uma simples manjedoura e usou da bondade e do amor para mudar vidas, Reinaldo tem promovido ações voltadas à população em situação de rua e em insegurança alimentar em todo o país. Em outubro de 2017, uma oportunidade de estudo trouxe o baiano natural de Cachoeira para o coração do Rio Grande do Sul. Em Santa Maria, ele passou a atuar no programa Café da Tarde Social. Em parceria com os projetos O Pouco que Vale Muito e UFSM nas Ruas, a iniciativa promoveu mais uma edição do Natal Sem Fome em 2024. O acolhimento proporcionado pelo momento é motivo de orgulho para o porteiro:
– Sou apoiador incondicional e promotor de tais ações sociais desde que vivenciei a miséria social de nosso povo em várias cidades brasileiras, não apenas no Rio Grande do Sul. Hoje, realizo ações de cadastramento, de preparo e distribuição de refeições e lanches, além de ações de saúde e distribuição de brinquedos, porque aprendi que precisamos abraçar a vida como um sopro e o voluntariado social que dialoga com o acolher ao próximo enquanto um compromisso coletivo de cidadania. Precisamos construir um país socialmente mais justo para além do Natal e focando na infância, nas nossas crianças.

Michele
Já é Natal na casa da técnica em Enfermagem Michele Wastchuk (vestido vermelho), 38 anos, e do assistente funerário Gustavo Corrêa Machado, 48 (camiseta preta), no Bairro Presidente João Goulart. Pela sala, o mini presépio, as pequenas figuras de Papai Noel, as renas de madeira, as luzes e a clássica árvore de Natal são motivo de alegria e diversão. Para esperar os parentes de Michele, que moram a poucas casas do local, um verdadeiro banquete foi montado. Nos últimos anos, a família Wastchuk tem encontrado no Natal uma chance de diminuir a saudade e recomeçar.
– Em 2009, perdi meu irmão mais velho, Fabrício, com 28 anos, para um câncer de pulmão. Ficamos muito abalados e, naquela época, o Natal e o Ano Novo perderam o sentido. Com a chegada dos meus sobrinhos, voltamos a montar a árvore de Natal para não deixar acabar essa tradição. Hoje, a Letícia está com 16 anos (camiseta florida), e Misael, com 15 (camiseta branca), e eles ajudam a montar árvore de Natal e enfeitar a casa – conta a profissional, que tem um irmão gêmeo, o operador de caixa Michel Wastchuk, 38 anos.
No apartamento, o militar aposentado Simão Wastchuk, 75 (camisa listrada), e a professora de português aposentada Noélcia Wastchuk, 72 (vestido azul), admiram a decoração natalina feita pela filha. Entre risadas, abraços e presentes, novas lembranças de Natal vão se formando. Fotos e pertences antigos de Fabrício, como um boné favorito, reforçam o sentimento de união da família. Para Nóelcia, a celebração do Natal tem sido um importante passo no processo de luto.
– Eu creio que meu filho está no céu com Jesus. Então, sei que não podemos parar. Por ele, queremos estar sempre reunidos. A saudade é amor em dobro. Eu desejo que todos tenham um Natal abençoado – conclui.

Leda Maria
No presépio montado na Capela São Francisco de Assis, no Bairro Urlândia, falta apenas o aniversariante. Conforme a agente de saúde aposentada e ministra da eucaristia Leda Maria Teixeira Garcia, 65 anos, faz parte da tradição colocar a miniatura do menino Jesus na manjedoura apenas no dia 25 de dezembro. Enquanto a data não chega, outros elementos vão sendo montados como a árvore de Natal e a programação deste ano. O significado da data também é ressaltada por Leda Maria:
– Eu penso que o Natal é um período de esperança, alegria e confraternização no mundo todo. Acho que é uma das datas mais importantes do calendário católico cristã, porque além do nascimento de Jesus, comemoramos a vida.
Voluntária na capela há quase 30 anos, Leda Maria exibe com orgulho fotos dos eventos de Natal na comunidade. As ações foram realizadas a partir de uma parceria entre associação de moradores, agentes de saúde e integrantes da Capela. Entre os papéis que ela já desempenhou nessa missão, está o do próprio Papai Noel:
– A história é engraçada. Fazíamos as festas sempre no sábado antes do Natal. Por volta de 2005, tivemos que começar a fazer na sexta-feira, porque ocorriam outros eventos na comunidade. Por conta disso, perdemos a presença dos Papais Noéis, porque eles não podiam na nova data. Pediram-me para me vestir de Papai Noel e eu fui. Alternei com outros voluntários também. Para mim, o sentimento é indescritível. Quando as crianças enxergam o Papai Noel ficam muito felizes.
Enquanto arruma alguns presentes embaixo da árvore montada dentro da Capela, Leda Maria se emociona. Nem sempre o trabalho voluntário foi fácil, mas desistir não é uma opção para quem segue à risca o principal ensinamento de Cristo: amar o próximo como a ti mesmo.
– Temos quase mil crianças na comunidade, então, precisamos arrecadar bastante. Sabemos que o Natal não é sobre presentes, mas para essas crianças é. Às vezes, é só isso que elas têm. No Natal de 2010, tínhamos poucas coisas, e faltavam poucos dias para o evento. Pedíamos e ninguém nos ajudava ou dava retorno. Aqui na Capela, temos um grupo de oração. Por conta do evento, resolvemos nos reunir e rezar. Lembro que isso aconteceu em uma quinta-feira. No dia seguinte, surgiram muitos presentes e doações. Para mim, foi um verdadeiro milagre. Nunca nos esqueceremos desse dia – relata a voluntária, sorrindo.

Emilene
Em um mural no Centro de Desenvolvimento Comunitário (CDC) Estação dos Ventos, no Bairro Km3, a educadora especial Emilene Rodrigues Wagner, 38 anos, prende com alfinetes alguns desenhos de Natal feitos pelas crianças contempladas pela iniciativa. Para ela, a data é mais do que especial:
–Eu considero o Natal muito importante e de muito significado, porque é um momento em que conseguimos reunir toda a família. Não tínhamos muitos presentes, mas tínhamos o necessário, que é o amor e a união da família. Então, sempre foram Natais importantes. Depois que eu perdi a minha avó materna e o meu pai, falta algo nessa data. Mesmo assim, eu continuo amando o Natal.
Em fevereiro de 2017, Emilene perdeu a avó materna, Wilma da Silva Rodrigues, 76 anos, em decorrência de problemas cardíacos. Três meses depois, foi o pai, Darci Wagner, 54, devido a complicações causadas pelo Diabetes Mellitus. Em 7 de outubro daquele ano, a educadora especial foi até o CDC Estação dos Ventos junto com o filho, o estudante Pietro Wagner Schwert, hoje com 15 anos, e a mãe, a aposentada Regina Rodrigues Wagner, 69, levar algumas doações. Rapidamente, o que era apenas um ato de solidariedade tornou-se um novo propósito:
– Naquele dia, conhecemos pessoas incríveis como a coordenadora do CDC, a Fabiana (Ribeiro) e o marido dela, o Jan (Machado), que nos mostraram, que nos momentos de dor, ainda há esperança em dias melhores. Fomos recebidos e nos sentimos parte dessa família linda, que é o CDC Estação dos Ventos. O momento ainda era de dor, mas aos poucos foi se tornando de muito amor, compaixão e empatia. Então, eu nunca irei esquecer dessa acolhida.
Desde então, Emilene tem feito parte da organização dos eventos de Natal, que chegam a contemplar cerca de 400 crianças da comunidade. A reflexão sobre a importância da data surge com o desejo de que as pessoas tinham mais compaixão com o próximo.
– Eu costumo dizer que nós murmuramos muito e isso é normal do ser humano até o ponto em que se conhece a realidade de comunidades, muitas vezes, esquecidas pelos nossos governantes. Hoje, eu me sinto grata pelo trabalho que faço. Ver o sorriso no rostinho daquelas crianças quando você oferece uma bala ou simplesmente teu tempo, isso não tem preço. Eu sempre digo que não somos nós que estamos ajudando e sim, estamos sendo ajudados para que sejamos seres humanos melhores, com olhar diferenciado e dando valor àquilo que é essencial: a vida – reforça Emilene.

Marcelo
Na casa do médico veterinário e empresário Marcelo Ilha, 39 anos, o clima é de comemoração dupla. Ele nasceu em 20 de dezembro de 1985, cinco dias antes do Natal. As datas são comemoradas ao lado da mãe, Raquel Rodrigues, 66; da irmã Fabiane, 44; e dos sobrinhos João Pedro, 13, e Luiz Vicente, de apenas 7 anos:
– Fazemos questão de passar esses momentos juntos, independente de qualquer dificuldade, porque a família é o bem maior. Então, fazemos um esforço, mesmo minha mãe e minha irmã morando em outras cidades. Nos últimos anos, começamos a fazer biscoitos. Normalmente, são os meus sobrinhos que me ajudam. Nós fazemos, pintamos e comemos na data ou damos de presente para os clientes da loja.
Os bons sentimentos do Natal levaram Marcelo a criar tradições também dentro das empresas que administrada. Atuando desde 2016 no ramo de creche e pet shop em Santa Maria, o médico veterinário tem registrado momentos de fofura e muita magia natalina envolvendo cães e gatos, proporcionando recordações inesquecíveis.
– Na creche, todos os cachorrinhos fazem fotos de Natal na frente da árvore e enviamos para os clientes, que acabam postando. Essas recordações são importantes, porque, infelizmente, os pets duram menos que nós. Por isso, na loja, também fazemos essa ação. Temos relatos de pessoas que se tornaram clientes e as melhores lembranças que eles têm dos animaizinhos são as fotos que tiramos. Então, é isso que fica. Também mantemos uma árvore com pedidos pets para ajudar os projetos como o Quatro Patas, Patas Amigas, Mãos que Salvam, que tem animais resgatados em lares temporários ou que estão em clínicas que têm necessidades – conta o empresário.
Seja na causa animal ou em tradições de família, o mais importante para Marcelo são os olhares de gratidão e os abraços apertados, que fazem o amor transbordar do peito. Enquanto ajeita alguns itens no novo espaço dedicado a data, ele reafirma algumas ideias sobre a celebração:
– Eu acredito que Natal é uma data que está acima dos presentes. É uma data que você precisa demonstrar para as pessoas que você realmente se importa com elas. Eu falo que, às vezes, uma lembrancinha é um carinho em forma de presente, mas que nunca o presente deve estar acima do carinho e dos verdadeiros valores do Natal, como a solidariedade e a união.

Você sabia?
O Natal é celebrado em datas diferentes no mundo. Um dos motivos é a existência de divergências sobre em qual dia, de fato, Jesus Cristo nasceu. Para países que utilizam o calendário gregoriano (que é o caso do Brasil), a data é 25 de dezembro. No calendário Juliano, é 7 de janeiro. Independentemente da data e da vertente cristã, o Natal é um momento de reflexão e união para todos.